sábado, 30 de julho de 2011

Serei Curioso

Por que se identifica a coca com a cocaína?

Se a coca é tão perversa, por que se chama Coca-Cola um dos símbolos da civilização ocidental?

Se se proíbe a coca pelo mau uso que se faz dela, por que não se proíbe também a televisão?

Se se proíbe a indústria da droga, indústria assassina, por que não se proíbe a indústria de armamentos, que é a mais assassina de todas?

Com que direito os Estados Unidos atuam como policiais da droga no mundo, se os Estados Unidos são o país que compra mais da metade das drogas produzidas no mundo?

Por que entram e saem dos Estados Unidos os pequenos aviões da droga com tão assombrosa impunidade? Por que a tecnologia moderníssima, que pode fotografar uma pulga no horizonte, não pode detectar um avião que passa diante da janela?

Por que nunca foi preso nos Estados Unidos nenhum peixe gordo da rede interna do tráfico, ainda que fosse um só dos reis da neve que operam dentro das fronteiras?

Por que os meios massivos de comunicação falam tanto da droga e tão pouco de suas causas? Por que se condena o viciado e não o modo de vida que dissemina a ansiedade, a angústia, a solidão e o medo?

Se uma enfermidade se transforma em delito e este delito se transforma em negócio, é justo castigar o enfermo?

Por que não empreendem os Estados Unidos uma guerra contra seus próprios bancos, que levam boa parte dos dólares que as drogas geram? Ou contra os banqueiros suíços, que lavam mais branco?

Por que os traficantes são os mais fervorosos partidários da proibição?

A livre circulação de mercadorias e capitais não favorece o tráfico ilegal? Não é o negócio da droga a mais perfeita prática da doutrina neoliberal? Acaso não cumprem os narcotraficantes com a lei de ouro do mercado, segundo a qual não há demanda que não encontre sua oferta?

Por que as drogas de maior consumo, hoje em dia, são as drogas da produtividade, as que mascaram o cansaço e o medo, as que mantem onipotência, as que ajudam a render mais e a ganhar mais? Não se pode ler nisso um sinal dos tempos? Será por pura casualidade que, hoje, parecem coisas da pré-história as alucinações improdutivas do ácido lisérgico, que foi a droga dos anos setenta? Eram outros os desesperados? Eram outros os desesperos?

- Eduardo Galeano.

(Fonte: GALEANO, Eduardo. 1940- De pernas pro ar: a escola do mundo ao avesso / Eduardo Galeano: tradução de Sergio Faraco. -- Porto Alegre: L&PM, 1999. p:134-135)

1 comentários:

Andressa Pacheco disse...

Olá Andressa! Passando para conhecer o seu blog. Achei bem interessante.

Abraços